faxina
Tenho ajudado uma amiga a faxinar o apartamento dela. Ela mora com a mãe -- uma acumuladora crônica --, que depois de uma longa temporada em hospital, precisa voltar para uma casa limpa e acessível.
As duas vivem numa quitinete aqui no bairro: quarto, salinha (que a mãe usa de quarto), banheiro e a menor cozinha que já vi na vida. Seria um lugarzinho adorável não fosse os anos da desnecessária bagagem de tralhas e as escolhas arquitetônicas questionáveis da mãe (que tal transformar aquele nicho no corredor em um segundo, desnecessário, banheiro, com um chuveiro em cima do sanitário?). Memórias, lixo e recicláveis que tomaram por completo o pequeno apartamento. "Tá menor que um cativeiro", minha amiga gosta de brincar. O mais impactante, pelo menos pra mim, que vê de fora, é como esse acúmulo tomou o lugar de tal forma que nem as janelas escaparam. Roupas, vasos e cacarecos polvilham as grades das janelas, impedindo o vento de entrar. E você pode perguntar pra qualquer pessoa em Recife que vão te dizer que vento é essencial nessa cidade. Liberar as janelas do apartamento já faz uma diferença imensa no ambiente.
É uma missão pesada que essa minha amiga tem. Não só a parte física pesa (dezenas de sacos de lixo, sujeira pra esfregar, coisas que nem se imagina que se poderia guardar -- que tal um motor quebrado de geladeira?), mas a emocional também. É mais do que "lixo" que ela está jogando fora -- é uma parte feia da mãe, são medos, paranoias, apegos, saudades; memórias, até, mesmo que estas talvez não sejam vistas como essenciais para a maioria das pessoas. Tudo pesa. Dá pra ver no rosto dela, quando estamos escolhendo o que guardar e o que jogar fora. Ao mesmo tempo em que ela tem vontade de "tacar fogo em tudo e deixar pra lá", também quer manter os itens que são, de fato, importantes. Talvez um motor quebrado de geladeira seja uma decisão fácil de ser feita, mas e talheres? Dezenas de garfos e facas, novos (nunca saíram da caixa) e antigos (herdados da avó). Papéis de infância, cartinhas, coleções. Quanto menor, mais intrincada é a escolha.
Minha amiga está passando por um turbilhão de emoções enquanto performa com as próprias mãos uma mudança drástica em sua vida. E ao longo dos meses, vai-se colhendo os frutos dessa mudança. Tenho muito orgulho dela. Mesmo antes da Faxina (sim, essa faxina é com F maiúsculo mesmo), ela já era motivo de orgulho pra quem a conhece. Pense numa mulher arretada: é a minha amiga. E agora, então, encarar décadas de acúmulo sozinha é missão hercúlea.
Em uma escala menor (mas muito, muito menor mesmo; tipo, microscópica), também estou passando pela minha própria faxina. Envolve mais do que tralhas físicas -- tem também as virtuais e as mentais (aiai).
Acho que não consigo fazer um trabalho de limpeza tão bom e eficiente quanto minha amiga, mas estou tentando. Meu rastro digital tem mais de vinte anos, e a quantidade de cadastros que fiz em websites e redes sociais aleatórias/da moda/pra testar/pra acessar algo uma vez e nunca mais é... monstruoso. Mas estou me atropelando nas ideias.
Esse ano de 2024 está sendo estrangulador. Entre mudanças de foco de carreira, de apartamento, de vida, de objetivos e até de hobbies (jesus cristo), estou no meio de um redemoinho emocional que é difícil de administrar.
Organizar e limpar minha presença virtual tem sido um pequeno conforto -- uma coisinha minúscula que posso, até certo ponto, controlar.
Tenho revisitado mágoas, repensado amizades e abandonado objetivos (criando novas mágoas? A ver), e não sei mais o que é ter um "plano" para o futuro. Por mais que eu nunca tenha sido uma pessoa de "metas insira-aqui-o-ano-vindouro", sempre tive uma noção do que faria e onde estaria (ou gostaria de estar). Agora, esse pouco planejamento caiu por terra. Sei lá o que vai acontecer ano que vem, o que vou estar fazendo, onde/com o quê vou estar trabalhando, onde vou estar morando... O futuro é realmente um país desconhecido.
Então decidi: vou fazer um site e isso vai resolver todos os meus problemas.
Algumas considerações:
Não é sobre minimalismo
Não sou nem aspiro ser minimalista -- aspiro organização. Tem muita gente que fala sobre 'minimalismo digital', mas eu sinceramente não conseguiria ser adepta a isso. Gosto do digital. Me divirto na internet, no reddit, no youtube, no bluesky, nos blogs, fazendo meu sitezinho... Então não, não é sobre minimalismo.
Rede social me dá canseira
Além do infame "doomscrolling", mesmo quando não estou fazendo isso, me vejo erguendo os olhos de redes sociais e me sentindo exausta. Interação social, mensagens, ver dezenas (centenas?) de vidas sendo vividas... é MUITA COISA!
Rede social é feia
Podem discordar aí da casa de vocês, mas não tem nada mais sem graça do que um feed de rede social. Visitar sites pessoais é uma aventura, cada um uma experiência única, e toda vez descubro coisas novas maravilhosas que não costumam aparecer em feed de redes.
Eu sou millennial nostálgica
E não vou mentir. Existe um conforto emocional muito grande em visitar antigos sites pelo Way Back Machine e lembrar de uma era de descobertas cibernéticas que vivi.
Espero encontrar vocês por aí.